Este é o Meu Filho amado


Dom Orani João Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Que bom seria se as cinzas que foram impostas sobre nossas cabeças tivessem se tornado um forte sinal de sincero reconhecimento da necessidade da conversão em nossas vidas despertando o torpor da nossa fé e colocando em nosso coração o fervor, a disposição, e a incandescência que purifica e renova.
Que bom seria se a mortificação desta primeira semana reavivasse a nossa fé e nos fizesse prontos para reconhecer os becos sem saída dos nossos atalhos para chegar ao caminho promissor do Evangelho. Do deserto da tentação, a liturgia nos faz dar um salto até o Tabor, o monte da Transfiguração. Um salto importante, porque nos faz saborear uma antecipação da meta para a qual caminhamos.
Esse "salto espiritual" do deserto ao Tabor nos coloca diante dos olhos um Evangelho que dá nova luz àquela imagem cinzenta escura e às vezes mofada que alguns têm da Quaresma, e que pode ter se instalado em nosso imaginário espiritual. A autêntica mortificação quaresmal é para a vivificação e não para a tristeza. Se me mortifiquei é para fazer crescer a vida do Espírito em mim: é porque eu preciso dizer uns "não" para ampliar o coração a alguns "sim" maiores e mais maduros; é porque em mim existe algo que deve morrer para poder dar frutos.
Pedro, Tiago e João são conduzidos por seu Rabi para a parte superior do Tabor. Deveriam estar subindo pensativos, pois o anúncio da Paixão feito seis dias antes apertava os seus corações. A palavra de Jesus sobre o seu futuro de paixão, de morte e ressurreição permaneceu indigesta. Não entendem, mas põem a confiança no Mestre. Não entendem, mas caminham sobre seus passos. Não entendem, mas sabem que devem estar nos passos de Jesus.
Enquanto sobem ao Tabor, os pensamentos estão em turbulência: confusão, desânimo, trevas.  A respiração mais curta da subida marca o ritmo de um milhão de pensamentos que se chocam no coração e na mente.
E de repente, para romper a escuridão que os discípulos trazem dentro de si, eis uma luz: um “flash” de beleza! Os olhos estão abertos e o coração bate a mil. Pedro, Tiago e João receberam o dom de assistir a uma antecipação da glória da Ressurreição. Jesus revela a outra face do seu mistério: não só a Cruz, mas também a glória. Jesus abre seus olhos para reconhecer a sua beleza, para revelar a sua identidade.
O Sumo Pontífice Bento XVI, que nesta semana reflete acerca da santidade do seu Venerável Predecessor, o Servo de Deus João Paulo, nos fala, em sua mensagem quaresmal, sobre a Transfiguração: “O Evangelho da Transfiguração do Senhor põe diante dos nossos olhos a glória de Cristo, que antecipa a ressurreição e que anuncia a divinização do homem. A comunidade cristã toma consciência de ser conduzida, como os apóstolos Pedro, Tiago e João, «em particular, a um alto monte» (Mt 17, 1), para acolher de novo em Cristo, como filhos no Filho, o dom da Graça de Deus: «Este é o Meu Filho muito amado: n’Ele pus todo o Meu enlevo. Escutai-O” (v. 5).
Nós vos pedimos, Senhor Jesus, nos iluminar com a luz da vossa beleza. Na companhia de Pedro, Tiago e João, contemplando o vosso rosto transfigurado com amor. Não queirais jamais nos deixar sozinhos, pois sabeis que somos debilitados e frágeis. Vós conheceis as nossas fatigas e nos chamastes para vós para nos dar força e coragem com a vossa Palavra e o vosso Pão de vida. Fazei que, mesmo em meio a lutas diárias, nunca nos sintamos sozinhos e que a memória da vossa beleza não permita vacilar o nosso coração para as ilusões e falsas promessas do mundo. Com a força do Espírito de Santidade, guiai-nos no nosso caminho quaresmal de conversão. Maria, acrescente o que falta às nossas orações. Amém!

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