Tentei destacar os ensinamentos e exemplos que nos chegam de Jesus
para este tempo da Quaresma, mas tenho que dizer que até agora não falei
do mais importante de todos. Por que Jesus, depois do seu batismo, foi
para o deserto? Para ser tentado por Satanás? Não, nem sequer pensava
nisso; ninguém vai de propósito buscar tentações e ele mesmo nos ensinou
a rezar para não sermos levados à tentação. As tentações foram uma
iniciativa do demônio, permitidas pelo Pai, para a glória do seu Filho e
como ensinamento para nós.
Foi ao deserto para jejuar? Também, mas não principalmente para isso.
Foi para rezar! Sempre quando Jesus se retirava em lugares desertos era
para orar ao seu Pai. Foi para sintonizar-se, como homem, com a vontade
divina, para aprofundar a missão que a voz do Pai, no batismo, lhe
tinha feito vislumbrar: a missão do Servo obediente chamado a redimir o
mundo com o sofrimento e a humilhação. Foi em definitiva para orar, para
estar em intimidade com o seu Pai. E isso é também o objetivo principal
da nossa Quaresma. Foi ao deserto pelo mesmo motivo pelo qual, segundo
Lucas, um dia, mais tarde, subiu ao Monte Tabor, ou seja, para orar (Lc
9, 28).
Não se vai ao deserto somente para deixar algo – o barulho, o mundo,
as ocupações -; vai-se principalmente para encontrar algo, ou melhor,
Alguém. Não se vai somente para reencontrar a si mesmo, para colocar-se
em contato com o próprio eu profundo, como em tantas formas de
meditações não cristãs. Estar a sós consigo mesmo pode significar
encontrar-se com a pior das companhias. O crente vai ao deserto, desce
ao próprio coração, para renovar o seu contato com Deus, porque sabe que
“no homem interior habita a Verdade”.
É o segredo da felicidade e da paz nesta vida. O que mais deseja um
apaixonado do que estar a sós, em intimidade, com a pessoa amada? Deus é
apaixonado por nós e deseja que nós nos apaixonemos por ele. Falando do
seu povo como de uma esposa, Deus disse: “A conduzirei ao deserto e
falarei ao seu coração” (Os 2,16). Sabe-se qual é o efeito do
enamoramento: todas as coisas e todas as outras pessoas ficam pra trás,
em segundo plano.
Há uma presença que preenche tudo e faz todo resto “secundário”. Não
isola dos outros, que, de fato, torna ainda mais atento e disponível
para com os outros, mas como de reflexo, por redundância do amor. Oh, se
nós homens e mulheres de Igreja descobríssemos o quanto está perto de
nós, ao alcance das mãos, a felicidade e a paz que buscamos neste mundo!
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