A modernidade e o pecado

Os escribas e fariseus escandalizavam-se porque Jesus comia com os publicanos. Mas o Cristo explicava: “Não são os homens de boa saúde que necessitam de médico, mas sim os enfermos. Não vim chamar à conversão os justos, mas sim os pecadores” (Lc 5, 31-32). A analogia feita por Nosso Senhor é interessante. Ele compara o pecado a uma enfermidade. Se é verdade que podemos nos corromper com doenças e feridas que atingem nosso corpo, é também verdade que a nossa alma pode ser manchada. Essa mancha é o pecado. Jesus veio para os pecadores. Alegremo-nos, pois. Ele veio manifestar Sua Misericórdia a todos nós, enfermos que somos.

Atenhamo-nos, contudo, à comparação feita por Jesus. Compreender o pecado como uma enfermidade é, primeiramente, acreditar no que não vemos. Não que as sequelas do pecado não possam se sentir em nossa carne, mas, mais do que as consequências materiais, o pecado causa problemas espirituais seriíssimos. E que problemas são esses? Aludimos à frase de São Paulo: “O salário do pecado é a morte” (Rm 6, 23). O fim da matéria é inevitável. Conta Santo Afonso de Ligório que o Cardeal Barônio escreveu no seu anel esta inscrição: Memento mori: Lembra-te de que tens de morrer. A morte corporal é certa. No entanto, S. Paulo, ao falar do salário do pecado, remete à morte da alma. Por isso diz-se que compreender o pecado é acreditar no que não vemos. Ora, a alma é uma realidade sobrenatural; não pode ser simplesmente estudada pelas ciências empíricas.

E é justamente por estar contaminado por uma mentalidade extremamente materialista que o homem perdeu a noção da gravidade do pecado. Os filósofos contemporâneos bradaram com perversidade, dizendo que Deus havia morrido. A nossa sociedade foi contaminada por uma onda de ateísmo demasiadamente racionalista e cientificista. Instituíram que somente o empírico poderia existir e qualquer coisa que ultrapassasse a barreira do natural deveria ser rejeitada. Ora, sendo a alma uma realidade sobrenatural, sendo as consequências do pecado mais visíveis justamente na nossa espiritualidade e desprezando o homem moderno o sobrenatural e o Transcendente, o resultado só pode ser a indiferença quanto à maldade e à perversidade do pecado e a negligência do “martelo” da nossa consciência.

O mundo contemporâneo, portanto, não compreende as palavras de Jesus. A incompreensão é tanta que ser flagrado pecando hoje em dia é algo louvável e até recomendável. A palavra pecado, que traz consigo um belo significado, foi inclusive extinguida do vocabulário dos nossos jovens. Se perguntássemos a um santo da Igreja, como São Domingos Sávio ou Santa Maria Goretti, o que era fornicação, eles certamente nos responderiam, cheios de zelo por Deus, que era um pecado abominável que desagradava muito a Nosso Senhor. Para o homem do século XXI, porém, o que é fornicação? Na perspectiva de um mundo secularizado, vemos atos terríveis como esses sendo fortemente incentivados nos meios de comunicação, em nossas escolas, em nossas famílias, enfim, hoje as nossas crianças aprendem a pecar.

Exagero?! Não mesmo. Quem é adolescente sabe do que estamos falando. Quem nunca recebeu na sua escola ou em seu colégio um agente de saúde ensinando aos alunos como utilizar a camisinha? Quem nunca ouviu um pai ou uma mãe de família dizer que, com os tempos modernos, as pessoas precisam se prevenir, esquecendo-se que o pecado não está em querer se precaver, mas em praticar o sagrado ato sexual fora do sacramento do Matrimônio? No Brasil, então, a situação fica pior graças à infame atuação da Teologia da Libertação. Como foi dito, só se pode deplorar devidamente o pecado quando compreendemos a transcendência da nossa fé. Se os trechos bíblicos são distorcidos e a Sagrada Escritura é considerada um simples livro social, se as palavras de Cristo nada acrescentam à nossa fé e “o céu já é aqui”, então, que sentido há em dizer que o pecado é uma enfermidade? Se a comunidade deve ser supervalorizada a ponto de prevenirmos somente os “pecados sociais”, então qual o sentido em preservamo-nos dos pecados individuais?

O fato é que “a luz veio ao mundo” (Jo 3, 19). Foi, contudo, desprezada. “Os homens amaram mais as trevas do que a luz”; amaram mais as suas paixões que a própria razão; amaram mais a si próprios que à Sabedoria; amaram mais seus corpos que suas almas. Volte o homem a enxergar a dramática realidade do pecado. Previna-se ele contra as investidas do demônio, lembrando-se sempre que o salário do pecado é a morte, enquanto “o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus, Nosso Senhor” (Rm 6, 23).

Everth Queiroz Oliveira

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