O Rosário na história: desde o começo até à consolidação da sua estrutura atual
É quase impossível voltar a percorrer
com precisão os passos que levaram à atual estrutura do Rosário. Mas
podemos, ao contrário, seguir o nascimento e o desenvolvimento dos
motivos básicos, que se relacionaram entre si dando origem a uma síntese
de sentido e a um método de oração.
Antes de mais, a oração contínua muitas
vezes condensou-se numa fórmula breve. A este respeito é conhecido a
sugestão de repetir: “Vinde depressa, Senhor, ter comigo, vós sois a
minha ajuda” (Sl 69, 2; Cassiano, Conferência 10, 10), ou a exortação:
“Respirai sempre Cristo” (Santo Atanásio, Vida de Antônio, 91, 3), da
qual aparecerá o exicasmo. Mas a repetição levou à oração numérica,
porque repetição e tempos de espera indeterminados geram ansiedade,
enquanto um número apresenta um limite e um termo.
A oração numérica deu origem ao sentido
do número: quantas fórmulas e em referência a quê? A resposta foi: em
referência ao Saltério. Relacionada com esta intuição surgiu outra, a
substituição, no sentido de que um determinado número de fórmulas breves
substituiu os Salmos. A práxis fortaleceu-se sobretudo quando um
número crescente de pessoas já não era capaz de ter acesso ao Saltério.
Desta forma, verificou-se a substituição do Saltério com 150 fórmulas,
ou a substituição das horas canônicas através de um número variante de
Pater e Ave para cada uma. Foi dito num latim macarrônico: “Qui non
potest psallere debet patere’ .’Quem não pode recitar os Salmos deve
recitar alguns Pater” (Cf. Meersseman, Ordo fraternitatis III, págs.
1444-1445).
Com a tendência numérica, afirmou-se na
oração a atenção aos “mistérios” de Cristo. Já presente nos Padres, a
devoção à humanidade de Cristo para alguns derivaria da adoração da Cruz
na Sexta-Feira Santa, cada vez mais carregada de ressonâncias afetivas e
marianas. Desta tríplice tendência – mistérios de Cristo, dimensão
mariana, ressonância afetivas – com vista ao Rosário interessam duas
realizações: os Saltérios marianos e as meditações sobre a vida de
Cristo.
Os Saltérios marianos começaram no
século XII em algumas comunidades cistercienses com o uso de acrescentar
aos Salmos uma antífona mariana. Derivou daqui a tendência para editar
unicamente as antífonas e compor diretamente Saltérios marianos, como
aquele que é atribuído a Santo Anselmo de Aosta (+ 1213), com 150
antífonas rítmicas derivadas do versículo de um salmo.
No que se refere às meditações, uma
certa antecipação da estrutura do Rosário encontra-se nas Meditações
sobre as alegrias da Santa Virgem do cisterciense Estêvão de Sallay
(falecido em 1252), que propõe um exercício de oração de 15 “alegrias”
marianas divididas em três secções. Se o número 15 e as alegrias
relacionam o que se escreveu com o Rosário, a complexidade e o
comprimento marcam a sua diferença. Foram mais decisivas em relação ao
espírito do Rosário as Meditaciones vite Christi, do início de 1300,
atribuídas a São Boaventura e agora a João de Caulibus e disponíveis
numa edição crítica no volume 153 do CCCM. As meditações sobre a vida
pública de Jesus começam com o batismo e concluem-se com a última ceia
(cap. 16-73) e é prestada atenção à presença de Maria: a Ela Jesus pede a
bênção antes do ministério público recebendo a sua resposta: “Vai, com a
bênção do Pai e com a minha” (pág. 173, 9-10); a Ela, na ceia em
Betânia (cap. 72), mesmo se a Escritura não fala disto (pág. 240, 2-3),
Cristo revela a iminência da paixão e aparece-Lhe Ressuscitado (cap. 82)
saudando-a: “Salve sancta parens” (pág. 301, 28-29). Mais determinante
para o Rosário foi a Vita Jesu Christi e quattuor Evangelis et
scriptoribus ortodoxis concinnatta ou Vida de Cristo, de Ludolfo de
Saxónia (+ 1377), publicada em Estrasburgo em 1474 e que, em pouco
tempo, chegou a 78 edições latinas. O autor, dominicano, e depois
cartuxo, com um esquema vasto (da geração do Verbo à parúsia), com
citações de Padres e de autores medievais, com a conclusão orante de
cada capítulo, contribui para enraizar estavelmente a referência aos
mistérios de Cristo na oração pessoal.
Mudaram também as fórmulas. No início,
a mais usada foi o Pai Nosso, tanto que Paternoster designava o
instrumento para contar as orações. Depois, devido a vários fatores –
incluindo a tradução do Akathistos em latim por volta do século IX –
começou a prevalecer o uso do Ave, como testemunham São Pedro Damião (+
1072) e um sínodo parisiense realizado por volta de 1200, que
acrescentou ao Pater e ao Credo o Ave como oração quotidiana a ser
ensinada ao povo (PL 145, 564; Mansi 22, 681). Formou-se assim um
“Rosário” de 50 Ave e um “Saltério” de 150 Ave, que já no século XIII
era recitado por pessoas devotas individualmente ou em grupos, como a
Santimónia de Gand.
No que diz respeito ao instrumento, no
antigo Paladino fala-se de um certo Paulo que recitava 300 formas por
dia, recolhendo “igual número de pequenas pedras que levava no peito
lançando fora uma por cada oração feita” (História lausíaca 20, 1).
Depois era usada uma corda com nós, que alguns dizem que se tenha
afirmado, através da Espanha, por influência da corda enodada – a subha
ou tashbi – que no islão servia e serve para contar os 99 Nomes divinos e
para apoiar o dirk, isto é, a recordação do Nome: não é possível
demonstrar esta derivação mas é bonito pensar que seja verdadeira. Entre
os cristãos do Oriente afirmou-se um análogo terço de corda ou de lã
denominado kombológion ou Komboskoínon (kómbos em grego significa nó).
Por fim, a influência do teatro como
animação litúrgica e depois como representação dos mistérios fora da
liturgia fundou o aspecto da criação de imagens da meditação e a
referência visual do Rosário: o quadro ou as imagens de um livro.
A convergência de todos estes fatores
exigia um método de oração que os simplificasse e os harmonizasse. Isto
verificou-se com três intervenções decisivas mesmo se não estavam
coordenadas.
A primeira foi a divisão do Saltério das
150 Ave em 15 dezenas, sendo cada uma delas precedida de um Pater (na
época o Ave não incluía a atual Segunda parte nem assuntos a serem
meditados). A operação é atribuída ao cartuxo Enrico Egher de Kalcar (+
1408), que outros, e não ele, fazem remontar a uma sugestão de Nossa
Senhora. A divisão era feliz porque conservava o número 150 – o
Saltério – e ritmava o seu comprimento adotando o esquema decimal, o
mais óbvio porque se baseava nos dedos das mãos.
A segunda intervenção remonta ao cartuxo
Domingos da Prússia (+ 1460), que, partindo do Rosário das 50 Ave, uniu
uma cláusula ao nome de Jesus variante para cada uma, compondo um
rosário ininterrupto de 50 Ave e 50 cláusulas e inspirando-se num
opúsculo que resumia a Vida de Cristo de Ludolfo. Este rosário era o
espelho e o equilíbrio perfeito do seu tempo e talvez um equilíbrio
absoluto. De fato, não substituía nem a liturgia nem a Escritura; unia a
inspiração da oração numérica com a meditação dos mistérios de Cristo;
concedia espaço ao que, comovendo, podia suscitar devoção (14 cláusulas
à infância, 23 à paixão, apenas 7 à glória); permanecia aberto a toda
a vida de Cristo com 6 cláusulas sobre a vida pública: Jesus, “que
João batizou no Jordão, indicando-o como o cordeiro de Deus / que
jejuou durante quarenta dias no deserto e que satanás tentou três vezes /
que, tendo reunido os discípulos, anunciou ao mundo o reino dos céus /
que restituiu a vista aos cegos, curou os leprosos, os paralíticos e
libertou todos os que estavam oprimidos pelo diabo / cujos pés Maria
Madalena lavou com as suas lágrimas, enxugou com os cabelos, beijou e
cobriu de perfume / que ressuscitou Lázaro morto havia já três dias e
também outros mortos”.
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