“A luz dos povos é Cristo: por isso, este sagrado Concílio, reunido
no Espírito Santo, deseja ardentemente iluminar com a sua luz, que
resplandece no rosto da Igreja, todos os homens, anunciando o Evangelho a
toda a criatura (Cf. Mc 16,15). Mas porque a Igreja, em Cristo, é como
que o sacramento, ou sinal, e o instrumento da íntima união com Deus e
da unidade de todo o gênero humano, pretende ela, na sequência dos
anteriores Concílios, pôr de manifesto com maior insistência, aos fiéis e
a todo o mundo, a sua natureza e missão universal. E as condições do
nosso tempo tornam ainda mais urgentes este dever da Igreja, para que
deste modo os homens todos, hoje mais estreitamente ligados uns aos
outros, pelos diversos laços sociais, técnicos e culturais, alcancem
também a plena unidade em Cristo” (Concílio Vaticano II, Constituição
Dogmática Lumen Gentium 1). A atualidade das palavras da “Lumen Gentium”
mostra a lucidez com que os padres conciliares, certamente conduzidos
pelo Espírito Santo, abriram as portas da consciência eclesial, a fim de
que, inserida num mundo altamente provocante e desafiador, a Igreja com
ele dialogue, seja sinal de Deus e fermente com a força do Evangelho
todas as realidades humanas.
Entretanto, uma questão pode ser colocada com pertinência a respeito
da face da Igreja a ser apresentada à humanidade de hoje. Já não vivemos
em época de cristandade, quem sabe, sonhada por muitos grupos e
pessoas, a pensar numa sociedade totalmente submissa às normas do
Evangelho, inclusive com o controle das estruturas sociais e políticas. O
pluralismo reinante é provocante à nossa qualidade de testemunho, de
forma a ouvir a todos, dialogar, compartilhar, estabelecer pontes,
descobrir as sementes do Verbo de Deus que o Espírito Santo plantou em
todas as partes e culturas. Não se trata de renunciar à nossa profissão
de fé, até porque só pode dialogar verdadeiramente quem tem clareza a
respeito de suas convicções e sabe lutar por elas, sem negar o direito
dos outros a um modo diferente para enxergar a realidade. Há elementos
novos, técnicas de comunicação surgidas em nosso tempo e que antes eram
inimagináveis. A “aldeia global” de que se falava há alguns anos já se
tornou menor ainda, para ser imensa. É a nossa casa! E nela há de tudo,
sugerindo um processo de discernimento a ser assumido com muita lucidez.
A imagem do templo, quem sabe, a do mosteiro ou do convento, ou o
lugar recolhido no qual não somos “incomodados”, ou a Igreja
comprometida com os poderes do mundo, ou apenas com uma estrutura
clerical, tudo isso entra em crise, se não nos abrimos para as
perspectivas proféticas do Concílio Vaticano II, hoje atualizadas, com o
magistério dos pontífices que magnífica e providencialmente têm
conduzido a Igreja. Ouvimos o Papa Francisco falar de Igreja em saída,
cultura do encontro, misericórdia, de Deus que não se cansa de perdoar!
Somos chamados a ir ao encontro das chagas existentes nas famílias e na
sociedade, mantendo-nos fiéis aos princípios do Evangelho e à doutrina
moral da Igreja, mas debruçando-nos com compreensão e bondade sobre a
vida concreta das pessoas, para ajudar o mundo a se elevar à dignidade
por ele mesmo impensada, pois nascida do amor infinito da Santíssima
Trindade.
Nosso Senhor, no belíssimo discurso a respeito da vida em Comunidade
(Mt 18, 1-35), indica perfis de grande atualidade para a presença da
Igreja em nosso tempo, chamada a ser sal, luz e fermento dos valores do
Reino de Deus.
A face da Igreja a ser apresentada será sempre a da misericórdia e do
perdão. O Senhor apresenta até um roteiro para a correção da pessoa que
erra, e infelizmente, nem sempre somos fiéis a estes passos. Primeiro a
correção em particular, a sós. Depois, a ajuda de duas ou três
testemunhas, em seguida a Igreja, Comunidade de fé. Só então se pode
dizer que a pessoa fica fora do relacionamento eclesial e, digamos com
clareza, porque ela mesma se recusou, não lhe faltando todas as
oportunidades. Há muitas pessoas sedentas de serem tratadas com tanta
delicadeza e paciência!
A terra e o Céu estão unidos! Impressionante a condescendência
divina, quando Jesus une o discernimento, o perdão ou sua recusa, nada
menos do que a seres humanos, como são os apóstolos e seus sucessores.
De um lado, a grandeza e o risco do próprio Cristo! De outro, a
responsabilidade dos ministros do Perdão e das Comunidades chamadas a
testemunhar a reconciliação!
E o Evangelho nos conduz a uma presença de Jesus realmente
revolucionária. Ele está presente verdadeiramente entre aqueles que se
reúnem em seu nome. Não tanto dois ou mais santos, ou justos, ou
melhores do que os outros. A tônica está no “acordo”, decidir-se a estar
unidos em seu nome, o que significa amar-se mutuamente, prontos a dar a
vida uns pelos outros! Afinal de contas, em outro lugar o Senhor
afirmou que “nisto conhecerão todos que sois os meus discípulos: se vos
amardes uns aos outros” (Jo 13,35).
Podem as pessoas levantar perguntas sobre a doutrina, outras vezes
não aceitarão nossos ritos litúrgicos, farão mil perguntas sobre a
pregação que lhes é oferecida, ficarão escandalizadas com a forma com
que os bens da Igreja forem administrados ou com os erros e pecados dos
cristãos. Entretanto, a força do amor recíproco, com a presença de Jesus
em nosso meio, que depois se desdobra na oração que vem como fruto
deste consenso da caridade, esta é, sem dúvida, uma face brilhante e
resplandecente da Igreja a ser oferecida em nosso tempo. Ela será a
porta para a compreensão de todas as outras realidades. De fato, Ele
está no meio de nós!
Por Dom Alberto Taveira Corrêa – Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará
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