Sua fé é adulta ou infantil ?

Homilia histórica ministrada pelo Cardeal Ratzinger por ocasião da eleição do papa que iria suceder ao inesquecível João Paulo II.

Suas palavras revelaram-se proféticas!

Para 2010, peçamos a Deus esta fé madura e nosso absoluto comprometimento com Jesus, sua proposta e sua Igreja.

Ler essas palavras aquecem nosso coração e renova nossa vontade inquebrantável de continuar servindo ao Senhor com todas as nossas forças.

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Nesta hora de grande responsabilidade, escutemos com atenção especial o que o Senhor nos disse com suas próprias palavras. Das três leituras, escolhi apenas os trechos que nos dizem respeito diretamente num momento como este.

A primeira leitura oferece um retrato profético da figura do Messias – um retrato que adquire todo o seu significado a partir do momento em que Jesus lê este texto na sinagoga de Nazaré, quando diz: “Hoje realizou-se esta escritura”. No cerne do texto profético encontramos uma palavra que – ao menos à primeira vista – parece contraditória. O Messias, falando de si, diz que foi mandado “para promulgar o ano da misericórdia do Senhor, um dia de vingança para o nosso Deus”. Escutemos, com alegria, o anúncio do ano de misericórdia: a misericórdia divina impõe um limite ao mal – disse-nos o Santo Padre. Jesus Cristo é a misericórdia divina personificada: encontrar Cristo significa encontrar a misericórdia de Deus.

A misericórdia de Cristo não é uma graça barata, não supõe uma banalização do mal. Cristo carrega no seu corpo e na sua alma todo o peso do mal, toda a sua força destrutiva. Ele queima e transforma o mal no sofrimento, no fogo do seu amor sofredor. O dia da vingança e o ano da misericórdia coincidem no mistério pascal, no Cristo morto e ressuscitado. É esta a vingança de Deus: Ele mesmo, na pessoa do Filho, sofre por nós.

Passemos à segunda leitura, à epístola aos Efésios. Aqui se trata, substancialmente, de três coisas: em primeiro lugar, dos ministérios e dos carismas da Igreja, como presentes do Senhor ressuscitado e ascendido ao céu; depois, do amadurecimento da fé e do conhecimento do Filho de Deus, como condição e conteúdo da unidade no corpo de Cristo; e, por fim, da participação comum no crescimento do corpo de Cristo, ou seja, da transformação do mundo na comunhão com o Senhor.

Detenhamo-nos apenas em dois pontos. O primeiro é o caminho em direção à “maturidade de Cristo”; assim diz, simplificando um pouco, o texto italiano. Mais precisamente deveríamos, de acordo com o texto grego, falar da “medida da plenitude de Cristo”, à qual somos chamados a atingir para sermos realmente adultos na fé. Não deveríamos permanecer crianças na fé, em estado de menoridade. E em que consiste sermos crianças na fé? Responde São Paulo: “Significa sermos arrastados pelas ondas e levados para lá e para cá por qualquer vento doutrinário”. Uma descrição muito atual!

Quantos ventos doutrinários conhecemos nestes últimos decênios, quantas correntes ideológicas, quantos modos de pensamento… O pequeno barco do pensamento de muitos cristãos foi, não raro, agitado por essas ondas – jogado de um extremo ao outro: do marxismo ao liberalismo, até a libertinagem; do coletivismo ao individualismo radical; do ateísmo a um vago misticismo religioso; do agnosticismo ao sincretismo, e assim por diante. A cada dia nascem novas seitas e se realiza aquilo que diz São Paulo sobre o engano dos homens, sobre a astúcia que tende a induzir ao erro. Ter uma fé clara, segundo o credo da Igreja, muitas vezes é rotulado como fundamentalismo. Enquanto o relativismo, ou seja, o deixar-se levar “para lá e para cá e para lá por qualquer vento doutrinário”, aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo, que não reconhece nada como definitivo e que deixa como última medida somente o eu e as suas vontades.

Nós, ao contrário, temos uma outra medida: o Filho de Deus, o verdadeiro homem. É ele a medida do verdadeiro humanismo. “Adulta” não é uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade; adulta e madura é uma fé profundamente enraizada na amizade com Cristo. É esta amizade que nos abre a tudo aquilo que é bom e nos dá o critério para discernir entre verdadeiro e falso, entre engano e verdade. Devemos amadurecer esta fé adulta, a esta fé devemos conduzir o rebanho de Cristo. E é esta fé – só a fé – que cria unidade e se realiza na caridade.

Vamos agora ao Evangelho, de cuja riqueza gostaria de extrair apenas duas pequenas observações. O Senhor nos dirige estas maravilhosas palavras: “Não os chamo mais de servos… mas os chamei de amigos”. Muitas vezes sentimos ser – e com razão – apenas servos inúteis. E, apesar disso, o Senhor nos chama de amigos, nos torna seus amigos, nos dá sua amizade. O Senhor define a amizade de uma dupla forma. Não há segredos entre amigos: Cristo nos diz tudo aquilo que ouve do Pai; nos dá sua plena confiança e, com a confiança, também o conhecimento. Revela-nos o seu rosto, o seu coração. Mostra a sua ternura por nós, o seu amor apaixonado, que vai até a loucura da cruz. Confia-se a nós, nos dá o poder de falar com o seu eu: “este é meu corpo…”; “eu te absolvo”. Confia seu corpo, a Igreja, a nós. Confia às nossas frágeis mentes, às nossas frágeis mãos, a sua verdade – o mistério do Deus Pai, Filho e Espírito Santo; o mistério do Deus que “amou tanto o mundo a ponto de dar-lhe o seu Filho unigênito”. Fez de nós seus amigos – e nós, como respondemos?

O segundo elemento com o qual Jesus define a amizade é a comunhão das vontades. “Idem velle – idem nolle” era também para os romanos a definição de amizade. “Sois meus amigos, se fazeis aquilo que vos ordeno.” A amizade com Cristo coincide com o que expressa o terceiro pedido do pai-nosso: “Seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu”.

O outro elemento do Evangelho – ao qual eu gostaria de acenar – é o discurso de Jesus sobre levar o fruto: “Eu vos constituí para que andeis e frutifiqueis e o vosso fruto permaneça”. Aparece aqui o dinamismo da existência do cristão, do apóstolo: vos constituí para que andeis… Devemos ser animados por uma santa inquietação: a inquietação de levar a todos o dom da fé, da amizade com Cristo. Na verdade, a amizade, o amor de Deus nos foi dado para que chegue também aos outros. Recebemos a fé para doá-la aos outros somos sacerdotes para servir aos outros. E devemos levar um fruto que permaneça. Todos os homens querem deixar um traço que permaneça. Mas o que permanece? O dinheiro, não. Também os edifícios não permanecem; nem mesmo os livros. Depois de um certo tempo, mais ou menos longo, todas essas coisas desaparecem. A única coisa que permanece eternamente é a alma humana, o homem criado por Deus para a eternidade.

O fruto que permanece é, assim, aquilo que semeamos nas almas humanas – o amor, o conhecimento; o gesto capaz de tocar o coração; a palavra que abre a alma à alegria do Senhor.

Voltemos enfim, mais uma vez, à epístola aos Efésios. A epístola diz – com as palavras do Salmo 68 – que Cristo, ao subir ao céu, “distribuiu presentes aos homens”.

O vencedor distribui presentes. E estes presentes são apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres. O nosso ministério é um presente de Cristo aos homens, para construir o seu corpo – o mundo novo. Vivamos assim o nosso ministério, como presente de Cristo aos homens! Mas nesta hora, sobretudo, peçamos com insistência ao Senhor que, depois do grande presente do papa João Paulo II, nos dê novamente um pastor que esteja em seu coração, um pastor que nos guie ao conhecimento de Cristo, ao seu amor, à verdadeira alegria. Amém.

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