Filhos: irmãos ou inimigos?

Fonte: CNBB
A parábola dos dois filhos e do pai misericordioso é, sem dúvida, uma das páginas mais tocantes do evangelho de Lucas. A encontramos neste quarto domingo da Quaresma, na nossa caminhada rumo à Páscoa. Não é necessário contar novamente a história, basta apenas lembrar alguns tópicos principais que deveriam ajudar na nossa conversão e na conversão comunitária.

Os dois filhos representam duas atitudes opostas, as quais ignoram, de fato, o pai. O primeiro filho sente-se mal na casa paterna. Quer crescer por sua própria conta, acertar o seu caminho, não depender de uma autoridade que, na sua percepção, o sufoca. Pede a parte que lhe cabe da herança para se sentir livre; e vai longe, para não ter mais nada a ver com o pai. Quer talvez esquecer de onde veio, onde foi criado e a quem deveria agradecer. O sonho dele é a liberdade.

O outro filho, aparentemente, é o servidor obediente. Cumpre tudo o que o pai manda. Contudo não pensa que a casa e os bens do pai sejam seus também. Reclama porque nunca recebeu do pai um cabrito para fazer festa com os amigos. Em poucas palavras, para o primeiro filho o pai é um autoritário que o prende, por isso precisa se libertar dele. Para o segundo filho, o pai é um patrão exigente ao qual obedece por medo e reverência, sonhando estar, um dia, no lugar dele. Aí sim será o dono de tudo e se sentirá livre. Nenhum dos filhos entendeu o amor do pai. Esse amor se manifesta na espera paciente da volta do primeiro filho, na festa da acolhida e na súplica para que o filho mais velho participe, também, da festa em homenagem ao filho-irmão perdido que voltava.

É bastante fácil enxergar nas atitudes e pensamentos dos dois filhos a situação de tantas pessoas, no que diz a respeito à própria relação com Deus. Alguns acham necessário se livrar dele, negando-o. Vivendo como se Deus não existisse, como se não houvesse nenhuma proposta de vida e de valores. Muitos hoje vivem ignorando ou fingindo ignorar a questão de Deus na própria vida. Nunca têm tempo, têm outros projetos; pensam que deixar entrar Deus na própria vida signifique assumir um monte de obrigações e de proibições. Para essas pessoas Deus é um empecilho à própria liberdade, um obstáculo, um inimigo a ser derrotado.

Outros estão do lado oposto, mas, infelizmente, o resultado final é o mesmo. Pensam ter acolhido a Deus, porque obedecem a todas as normas, acreditam, de fato, ter direitos com Ele. A obediência às leis não é gratuita, é interesseira. Agradam a Deus para poder ter algo de volta: saúde, bens materiais, vida boa e tranqüila. A segurança deles não é Deus em si, são as benesses que pensam ter neste mundo e, talvez, também no outro. Aparentemente são modelos de filhos. Na prática só se preocupam em não desagradar ao chefe, para continuar a gozar da sua confiança e dos seus favores. Mais uma vez estamos longe de algo que se assemelhe ao amor e à gratuidade. Nenhum dos dois filhos entendeu o amor do pai. Um se sente oprimido, o outro se acha dono do coração do pai, por isso fica revoltado quando este pai bondoso perdoa o filho desgarrado. Em nome da lei exige justiça, esqueceu que o outro também é filho, apesar dos erros cometidos.

Como podemos entender nessa parábola não está em questão simplesmente o perdão e a volta para casa do filho mais novo; está sendo apresentada a própria bondade de Deus que é magnificamente livre de amar e perdoar, porque não tem outra lei a não ser a do amor. O primeiro filho foi embora por não reconhecer o amor do pai, mas o segundo também nunca se sentiu amado e não aprendeu a amar e a perdoar. Deus Pai ama a todos os seus filhos e propõe a todos o amor filial e fraternal. Enquanto dividirmos a humanidade em justos, obedientes e salvos de um lado e pecadores, errados e perdidos do outro, conforme os nossos critérios de justiça e obediência, nunca entenderemos o amor do Pai de todos e a solidariedade que nos une – ou deveria nos unir – contra o mal. Enquanto não reconhecermos também os nossos erros e julgarmos apenas os outros, continuaremos a não entender e a não amar a um Pai que envia o seu Filho para nos ensinar o único caminho capaz de nos resgatar das idéias erradas sobre Deus e sobre a humanidade. Não devemos competir entre nós e com Deus, devemos sim nos unir como irmãos, porque o “inimigo” e o “patrão” não é o Pai, mas o mal que nos torna orgulhosos, invejosos, incapazes de perdoar e acolher os pecados nossos e dos outros. Temos todos muito ainda a aprender.

Dom Pedro José Conti

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