Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
Arcebispo de Belo Horizonte (MG)
As manifestações populares destes
últimos dias configuram um fenômeno que merece análises e especial
atenção da pátria Brasil. Oportunidade para um debruçar-se lúcido sobre
todos os aspectos envolvendo o movimento, além das indicações novas daí
advindas. À complexidade do fenômeno juntam-se também características
incomuns e com largas diferenças em relação a fatos já ocorridos, desta
mesma ordem, no âmbito de manifestações populares. Considerável é,
particularmente, o grande número de pessoas movidas por uma demanda de
protesto, que desafia a interpretação por não tratar-se de uma única
questão, uma única razão. Como se diz, uma única bandeira, bem definida e
conceitualmente dominável.
Em questão, há uma série de razões que
afeta o conjunto do funcionamento da sociedade brasileira. Certamente,
não é um fenômeno que explode como resultado de algumas situações
provocadas num último curto período de tempo. Ainda que alguns elementos
tenham levado à eclosão das manifestações. O que se tem presenciado é
um estouro de algo que obviamente vem sendo formatado, por isso ou por
aquilo, e agora se configura nas manifestações populares,
protagonizadas especialmente pelos jovens. Esta complexidade na análise
das manifestações parece se apartar claramente do que se enquadra nos
repugnáveis atos de vandalismo e no uso de violência - aproveitamento
imoral da ocasião.
A análise deve ajudar na explicitação de
causas e configurar o necessário em medidas e posturas cidadãs para o
momento novo que precisa nascer deste contexto. O que se vê nas atitudes
de protesto pacífico não pode ser confundido ou misturar-se com a
nebulosidade de vandalismos que desrespeitam as pessoas e o patrimônio
público. Ao contrário, o ser humano e o patrimônio devem ser prezados e
defendidos por todos, em qualquer circunstância.
Inevitáveis são ações disciplinares
preventivas e a força que está no entendimento adequado das
manifestações para impedir tudo o que poderá desmerecer, ao menos em
parte, a importância deste momento para a sociedade brasileira. É,
sobremaneira, lamentável ver pessoas feridas e as depredações do
patrimônio público gerando prejuízos como sombras emoldurando os que,
pacificamente, movidos por paixões e lúcidos por razões justas,
expressam exigências e demandas urgentes da sociedade.
Análises e opiniões a respeito da
explicitação e do entendimento do fenômeno destas manifestações já estão
em crescente oferta. De qualquer modo, especialistas são desafiados a
compreender as raízes destes acontecimentos que devem ir além, por
exemplo, apenas da modificação das tarifas de ônibus. É preciso alcançar
o cerne do que está, de fato, se passando na consciência dos cidadãos.
Há muito trabalho de análise socioantropológica, política e
cidadã a ser feito. É plausível pensar, particularmente, na necessidade
de mudanças e práticas no horizonte de uma sociedade democrática, com
vistas à cultura da solidariedade e da paz. Não é difícil concluir,
mesmo fruto de uma análise não aprofundada, que as manifestações,
distanciadas de aspectos violentos, expressam o anseio por mudanças,
como questão central.
Essa aspiração popular aponta na direção
da qualificação do processo decisório no sentido de valorizar a
participação cidadã, o que exige diálogo com a sociedade.
Consequentemente, investir na “escuta” evitaria um processo de
funcionamentos e encaminhamentos que ignora necessidades e urgências na
vida de todos, particularmente dos mais pobres. Certamente, está em
questão o repúdio à cristalização e burocratização de mecanismos
governamentais e também nos âmbitos mais comuns da vida da sociedade.
A lista das questões consideradas na
grande bandeira, que é o anseio por mudanças, inclui desde a tarifa de
ônibus ao justo questionamento, por exemplo, da PEC 37, abrangendo o
exercício da política na sociedade brasileira, particularmente, a
partidária. Por isso, também, as manifestações não são motivadas e
empurradas pela força que propriamente poderia vir dos partidos
políticos ou de outras instâncias institucionais.
As mudanças que parecem ser pretendidas
tocam o conjunto da sociedade brasileira. Claramente está se exigindo
mais adequação participativa nas decisões e na escolha de prioridades,
nos modos de operacionalizar tudo o que é essencial para uma vida digna.
Providências urgentes e medidas cabíveis são esperadas por parte dos
responsáveis primeiros, incluindo a participação singular de cada
cidadão.
Permanecerá pedindo resposta a exigência
do diálogo necessário com a sociedade para que sejam sempre ouvidos
seus clamores. É hora propícia, à luz do que ainda vai brotar como
indicativos pela interpretação de peritos e do povo, para uma grande
conversão no Brasil.
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